Les petits riens [Cenas sem consequências]
A exposição das novas obras de Teresa Berlinck é uma exposição que pode surpreender o visitante. Surpreender o visitante, sim, e envolvê-lo, durante sua visita, por o levar a sentir-se carregado, ao termo da sua visita, de uma sensação de “déjà vu”. Um “déjà vu” nascido da minuciosa observação do fora, a cada dia, em seus aspectos mais inusitados e ao mesmo tempo estranhamente familiares, da experiência que nós recolhemos do mundo, perfeita epifania contemporânea. Essa experiência sensível do olhar se concentra em cada tela, fruto do deslocamento pelas paisagens urbanas, registradas sempre pelo olho cuidadoso, indiferente ao corpo da cidade cada vez mais caótico.
Mas é desse mesmo caos que nasce toda a força evocativa e poética das cenas e dos objetos retratados por Teresa Berlinck, que deixa com muita determinação o seguro jogo do lápis mesclado à fluidez do nanquim, para iniciar abrir o inspirado jogo de seu novo projeto no linho branco da tela. A destreza e a leveza do gesto preciso esboçam, para melhor a alcançar, a beleza sempre esquecida desses petits riens, cuja banalidade moderna aparente vem nos lembrar, inexoravelmente, o quanto é efêmera essa beleza singular contida nas ruas em obras, na plataforma de uma estação de trem, no encontro em uma praça, nos doces expostos numa vitrine. Nenhum objeto, nenhum detalhe escapam do olhar atento.
São cenas da vida pensadas e compostas como paisagens, ou seja, próximas das paisagens com figuras tal como definidas pelos pintores clássicos do século XVII, mergulhadas na luz tênue dos arredores de Roma, e aqui reinventadas pelo delicado agenciamento das cores. Essas cenas familiares, às quais em geral prestamos pouca atenção, sempre absorvidos pela velocidade da metrópole, encontram por meio dessa postura típica do flâneur talvez a sua melhor expressão criativa: vagando ao longo do caminho, passeando através do labirinto infinito das vielas, ruas, avenidas, fixando tanto pelo ato fotográfico como pelo pictórico, a memória de um tempo fora do tempo.
Memória singular esta, desses petits riens consecutivos, que evoca afinal a descrição de Paris no auge da sua modernidade, escrita por Guillaume Apollinaire em seu poema Zona [1913]: “É um quadro pendurado num museu sombrio/ Que às vezes você fica olhando horas a fio.” Tal o fio sonoro de uma valsa melancólica, a sutil harmonia colorida desses instantes imagéticos vem destacar, sem avisar, o suave devaneio de um tempo perdido a ser para sempre redescoberto.
Samuel de Jesus, fevereiro de 2015