Pai dos Burros, 2016. Teresa Berlinck com Julio de Paula

Batizada com uma expressão popular que designa “dicionário”, Pai dos Burros revisita o Dicionário do Folclore Brasileiro, compêndio referencial da cultura tradicional do país publicada em 1954 por Luís da Câmara Cascudo, etnógrafo,  historiador e escritor potiguar. Síntese de 40 anos de pesquisa e referência ainda hoje, a obra reúne milhares de verbetes descritivos de usos, mitos, crenças, gêneros musicais, danças, festas, comidas e bebidas, entre outros itens do repertório cultural nacional. Interlocutor de Mário de Andrade, erudito “sem erudições”, Cascudo considerava a tarefa de mapear o folclore infinita; dizia que somos agentes e reagentes, portadores e intérpretes de culturas sobrepostas.

Uma edição de 1962 do Dicionário serve de mote e suporte aos desenhos de Teresa Berlinck, que há alguns anos vem desenvolvendo trabalhos a partir de uma coleção herdada de livros sobre o Brasil. Aqui, a artista pesquisa no Google Imagens os verbetes do topo de cada uma das 400 páginas da obra de Câmara Cascudo para encontrar as imagens que recria sobre as folhas soltas do livro – com nanquim, a pincel e bico de pena. Sintomáticas das mudanças contemporâneas nas formas de acesso e arquivamento da cultura, figuras metafóricas, sobreposições e associações visuais emergem à maneira desordenada e sem hierarquia da nuvem digital, revelando um complexo caldo cultural de referências que vão do cangaço ao mangá japonês.

Na intenção de (re)traduzir para a linguagem dos sons um repertório oriundo da tradição oral, o radioartista Julio de Paula, pesquisador da cultura popular brasileira, parte de verbetes do Dicionário (escolhidos por interesse, afinidade ou acaso) para criar a peça sonora multifônica que se justapõe aos desenhos. São cerca de 50 fragmentos poético-musicais que articulam formas e fontes igualmente diversas, entre entrevistas, depoimentos, ruídos, trechos musicais e soundscapes – paisagens sonoras – extraídos de gravações de campo, acervos históricos, apropriações musicais, sessões com músicos e leituras comissionadas.

Para ouvir Pai dos BURROS, de Julio de Paula
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