Magnólia Costa, 2001
Viu a mulher que o fruto da árvore era bom para comer, e formoso aos olhos,
Gênesis 3, 6-7
e desejável porque lhe traria o conhecimento; e tirou dela um fruto,
e o comeu; e o deu a seu marido, que também comeu. E então os olhos
de ambos se abriram, e eles souberam que estavam nus.
Tudo começou com a mulher. Ao colher e provar o fruto proibido, ela plantou o mal na terra mas, ao mesmo tempo, semeou um grande bem: a arte, a possibilidade de materializar visões internas, de experimentar um tempo fora do tempo. Com seu ato transgressor, a mulher criou o feminino, lugar misterioso onde se conciliam os contrários, principalmente o sagrado e o profano, o espiritual e o material.
O trabalho de Teresa Berlinck discute todas essas coisas. Uma árvore de copa cuidadosamente talhada e carregada de frutos-flores evoca o ato gerador da arte, no qual uma imagem mental se concretiza em um objeto palpável. Isso, no entanto, não se dá apenas metaforicamente, pois do objeto bidimensional da tela Teresa Berlinck captura imagens que se solidificam, invadindo o espaço do observador e intrigando-o com sua quase mágica tridimensionalidade. A força dos símbolos articulada nas imagens propostas pela artista é, assim, intensificada pela materialidade e literalidade dos objetos. Não há paradoxo, mas feminilidade.
Volumétricas ou planas, as imagens concebidas por Teresa Berlinck remetem a ambigüidades que enfatizam a dimensão do feminino em seu trabalho por um viés místico. A experiência da fé, seja individual ou coletiva, se traduz em formas singelas e anônimas como as vistas nos ex-votos brasileiros dos séculos XVIII e XIX. Essas mesmas formas, justamente por sua densidade simbólica, aparecem também como desvio para o demoníaco, registrando medos, perversões e diversos conteúdos inefáveis da psique feminina.
A impressão de familiaridade que se tem diante do universo imagético de Teresa Berlinck remete a uma experiência do tempo desconcertante, induzida não só pelas formas, mas principalmente pela maneira como elas são executadas. Recorrendo à técnica medieval da têmpera-de-ovo, muito comum em painéis devocionais, a artista produz imagens atemporais cujo caráter religioso ─ feminino ─ é reforçado pelo aspecto artesanal. O fruto desse trabalho é um abalo profundo nas noções de tempo e lugar, o fim dos limites entre fantasia e história, como se dá no imaginário feminino. E diante desse fruto só há uma coisa a fazer: pegar e comer.